sexta-feira, 5 de abril de 2013

Poema Vinícius de Moraes

A cidade antiga


Houve tempo em que a cidade tinha pêlo na axila
E em que os parques usavam cinto de castidade
As gaivotas do pharoux não contavam em absoluto
Com a posterior invenção dos kamikazes
De resto, a metrópole era inexpugnável 
Com joãozinho da lapa e Ataliba de Lara

Houve um tempo em que se dizia: LU-GO-LI-NA 
U, loura; O, morena, I, ruiva; A, mulata 
Vogais! Tônico para o cabelo da poesia
Já escrevi, certa vez, vossa triste balada
Entre os minuetos sutis do comércio imediato
As portas de êxtase e de permanganato!

Houve um tempo em que eu morro era apenas um morro
E não um camelo de colete brilhante
Piscando intermitente o grito de socorro
Da livre concorrência: um pequeno gigante
Que nunca se curvava, ou somente nos dias
Em que o Melo maluco praticava acroabacias

Houve tempo em que se exclamava: asfalto!
Em que se come atava: verso livre! Com receio...
Em que, para se mostrar, alguém dizia alto:
"Então às seis, sob a marquise do passeio..."
Em que se ia ver a bem-amada sepulcral
Decompor o espectro de um sorvete na paschoal

Houve tempo em que o amor era melancolia 
E a turbeculose se chamava consumpção
De geométrico na cidade só existia 
A palamenta dos ioles, de manhã...
Mas em compensação, que abundância de tudo!
Água, sonhos, marfim, nádegas, pão , veludo!

Houve tempo em que apareceu diante do espelho
A flapper cheia de it, a esfuziante miss
A boca em coração,a saia acima do joelho
Sempre a tremelicar os ombros e os quadris
Nos shimmies: a mulher moderna... Ó Nancy! Ó
Nita!
Que vos transformastes em dízima infinita...

Houve tempo... e em verdade eu vos digo: havia 
tempo
Tempo para a peteca e tempo para o soneto
Tempo para trabalhar e para dar tempo ao tempo
Tempo para envelhecer sem ficar obsoleto...
Eis por que, para que volte o tempo, e o sonho, e a 
rima
Eu fiz, de humor irónico, esta poesia acima.

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